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Grande sertão: veredas, um privilégio.

Um romance inesperado e inicialmente incompreendido, extenso e, por isso, provavelmente pouco lido nos dias atuais. Mas não é difícil entender as razões que levam muitos leitores a recusarem o desafio de vencer suas mais de seiscentas páginas. Lê-lo exige esforço, inclusive daqueles que fazem das letras seu ganha-pão. Ainda na época de seu lançamento, vários escritores confessaram suas dificuldades com a leitura do livro. Ferreira Gullar chegou a dizer tê-lo abandonado depois de apenas setenta páginas. “Não pude ir adiante. A essa altura, o livro começou a parecer-me uma história de cangaço contada para linguistas.” Coube a alguns críticos literários – Antônio Cândido foi um deles – o reconhecimento da criatividade de Guimarães Rosa, o ineditismo e o valor literário de sua prosa.

Grande sertão: veredas é sem dúvida um livro diferente, embora não possa ser classificado como revolucionário, já que o estilo adotado pelo autor ali foi pouco imitado desde então. Único – mesmo não o sendo – talvez o adjetivasse melhor. Prosa comprida, modernista, sem divisão em capítulos e com uma linguagem toda própria, recheada de expressões linguísticas regionais e de frases inusitadas, pouco inteligíveis até, se lidas com descuido. A trama desenrola-se – ou talvez se enrole – sem qualquer preocupação com a clareza, narrada em primeira pessoa pelo próprio protagonista, um velho que divaga ao contar seus feitos da juventude. Disputas, dúvidas, paixões, lutas, vingança, tudo é intrincadamente sugerido por meio da linguagem experimental de Rosa, e o leitor, ao enveredar-se por ela, talvez vivencie sensações de quem lê em uma língua que pouco conhece. Palavras estranhas, outras que se enxertam, redundantes, em frases que, no meio, parecem mudar de sentido. Uma obra construída com inequívoco esmero, mas de grande complexidade, e, como toda obra complexa, sujeita a interpretações literárias as mais diversas.

Riobaldo, o narrador-personagem, em seu diálogo-monólogo, conta sua saga de jagunço a perambular pelo sertão brasileiro e entremeia a narrativa com inúmeras reflexões. Os pensamentos expostos referem-se ao seu mundo regionalmente limitado, mas poderiam facilmente ser transpostos para um contexto mais amplo. Amor, ódio, vingança, crendices, religiosidade, medo, honra, traição, maldade, amor, ciúme, homossexualidade… temas não restritos ao sertão e à época, mas universais e atemporais, e que, por isso, talvez tenham formado o atrativo que levou a obra a ser traduzida para vários idiomas.

O livro foi publicado pela primeira vez em 1956, teve seu texto reeditado dois anos depois, e é tido por muitos como uma das principais obras já escritas em língua portuguesa, laureado com vários prêmios literários, nacionais e internacionais. Apesar de convertido para outras línguas, é difícil imaginar que uma tradução – por mais bem executada – fosse capaz de transmitir com fidelidade toda a complexidade linguística que Guimarães Rosa pretendeu construir – e construiu – ao redigi-lo. Assim, o texto parece entregar-se plenamente apenas ao desfrute dos leitores de língua portuguesa. Fomos privilegiados.

O autor, João Guimarães Rosa, nasceu em 27 de junho de 1908, em Cordisburgo , MG. Ainda criança, iniciou os estudos de diversos idiomas (ele falava português, alemão, francês, inglês, espanhol, italiano, esperanto e conhecia russo, sueco, holandês, latim e grego). Depois, estudou a gramática do húngaro, árabe, sânscrito, lituano, polonês, tupi, hebraico, japonês, tcheco, finlandês e dinamarquês. Com 16 anos de idade entrou para a faculdade de medicina, formando-se aos 21. Exerceu a profissão na cidade de Itaúna , MG, onde teve contato com o sertão que viria embasar sua obra. Como médico, passou por várias cidades, até ser aprovado em concurso do Itamaraty, quando deixou a profissão para tornar-se diplomata. Serviu em embaixadas do Brasil, na Europa e na América do Sul. Foi eleito para a Academia Brasileira de Letras, em 1963. Adiou a posse até 1967, quando, ao assumir a cadeira na Academia, disse em seu discurso: “…a gente morre é para provar que viveu”. Faleceu três dias depois, aos 59 anos.

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Grande sertão: veredas pode ser encontrado em vários formatos e livrarias.
A edição abaixo encontra-se à venda no site da Amazon brasileira:

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