Conhece o crime do Padre Amaro? Não, não me refiro a uma dessas denúncias de pedofilia, a dedução quase automática quando se mencionam delitos de religiosos hoje em dia. Refiro-me à literatura de ficção, ao romance do ilustre escritor português Eça de Queirós, publicado ainda no Século XIX. O crime do Padre Amaro. Confesso que o li apenas recentemente e – devo acrescentar à confissão – arrependo-me de não o ter feito antes, uma, duas, mais vezes. Um livro que faz jus à fama. Um marco da literatura!
O romance de Eça foi o primeiro a trazer o realismo à literatura em língua portuguesa e, como costuma ocorrer com as inovações, trouxe também polêmicas. No caso, não só em torno da forma de escrever, em que ele abandonava a linha romântica e o estilo clássico da época para imprimir simplicidade às frases, inovar no uso de adjetivos e na combinação de palavras e praticamente assinar o registro de nascimento da prosa portuguesa moderna. O tema tratado é que suscitou a maior das polêmicas: uma crítica contundente da sociedade portuguesa e da Igreja que a influenciava.
Amaro Vieira é um padre recém ordenado, sem vocação religiosa e que aderiu à batina por conveniência. Nomeado para uma pequena aldeia, consegue ser promovido a uma cidade maior, Leiria, por intercessão política. Lá, aluga um quarto em casa da senhora Joaneira e conhece Amélia, a filha, noiva do escriturário João Eduardo. Amaro encanta-se por Amélia e acaba por seduzi-la, o que conduzirá a ambos por caminhos de prazeres e desgraças.
No texto, Eça revela a postura anticlerical em voga à época e atribui aos seus personagens eclesiásticos características que os fazem tão humanos quanto qualquer pecador. A aura de santidade de tais personagens fica restrita à aparência que projetam nos fieis, porém totalmente descasada do back stage, onde predomina a hipocrisia e o uso da autoridade religiosa para alcançar fins pessoais nada louváveis. Eça usa com maestria um infindável rosário de ironias, críticas venenosas e sarcasmo. É preciso, porém, que um alerta seja feito: a leitura, se não relativizada, pode vir a macular a percepção literária de católicos devotos, ao constatarem as atitudes e idéias nada santas da maioria dos personagens religiosos. No entanto, se entendida como arte – que é! – torna-se fonte de muitos prazeres. Talvez a frase esculpida na base de uma estátua póstuma do escritor seja o melhor resumo dessa obra: “Sobre a nudez forte da verdade, o manto diáfano da fantasia”.
O livro foi muito bem acolhido no seu lançamento, em 1875, aclamado como um romance de vanguarda, mas também recebeu críticas – inclusive de Machado de Assis. Eça de Queirós fez ajustes na escrita e no enredo e publicou duas outras versões, a definitiva, em 1880. E, como não poderia deixar de ser, o romance foi bastante criticado também pela Igreja Católica.
O escritor José Maria Eça de Queirós, filho de pai brasileiro e mãe portuguesa, nasceu em Póvoa de Varzim, em 1845. Formado em direito pela Universidade de Coimbra, atuou como advogado, jornalista e, em seguida, entrou para a diplomacia. Como diplomata esteve em Cuba, Inglaterra e França, onde faleceu em 1900. Deixou-nos várias obras, dentre elas “O Primo Basílio”, “Os Maias” e “O Mandarim”.
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